Acha que seria importante para sua aprovação se você pudesse se lembrar de tudo, ou quase tudo, que você já leu ou estudou?
Eu não tenho dúvidas de que seria! E espero que você também tenha respondido positivamente.
É interessante notar que essa simples pergunta já é capaz de mostrar como, muitas vezes, por seguirmos nossa intuição ou o que as pessoas normalmente recomendam, não nos dedicamos ao que realmente é importante.
Releia a pergunta.
Questionei sobre a importância de qual ação?
Lembrar.
Lembrar é crucial no momento de responder uma questão.
Se você não se lembrar, de nada terá adiantado ter lido, ouvido, compreendido e aprendido qualquer conteúdo.
Quem, como eu, já estuda há algum tempo, tem consciência que já teve contato com grande parte do conteúdo de um edital. Foram cinco anos de faculdade e alguns outros estudando, mesmo que de forma inconstante ou não direcionada para concursos.
De nada adianta aprender conceitos importantes, estudar jurisprudência e leis diversas se não for capaz de se lembrar no momento da prova.
Podemos concluir que a memória é essencial para o aprendizado e que lembrar é essencial para a aprovação.
Acho que a maioria concorda com isso.
Bem, se é tão importante lembrar, por que não dedicamos grande parte de nosso tempo a isso? Por que a rememoração (a prática do lembrar) não recebe a devida atenção na preparação da maioria de nós?
Eu tenho um palpite: não nos dedicamos tanto à rememoração porque não sabemos muito bem como a memória funciona.
Acredito nisso porque, tirando o caso de pessoas que estão apenas enganando a si mesmas e aos que estão próximos, a maioria de nós realiza um esforço sincero e dedica horas preciosas todo dia para conquistar a aprovação e não adotaria estratégicas ineficientes deliberadamente.
Ok. Mas e aí, como a memória funciona?
Esse é um tema complexo e vou fazer apenas uma simples introdução, com o fim de identificar estratégias para gravar, manter e recuperar uma memória de forma mais eficiente. Essa introdução é baseada, em grande medida, nas obras de Scott H. Young (que tem um site excelente) e de Stanislas Dehaene (links no Post 08).
Inicialmente, é preciso deixar claro que não existe apenas um tipo de memória, mas vários, que funcionam de forma diferente.
A classificação mais aceita divide a memória em memória prospectiva (coisas que temos que fazer, como compromissos futuros) e memória retrospectiva (coisas que aconteceram no passado), que é a que nos interessa.
A memória retrospectiva, quanto ao conteúdo, é dividida em duas espécies:
– Memória implícita ou procedimental: memória de como realizar uma atividade (escovar os dentes, andar de bicicleta, tocar um instrumento)
– Memória declarativa: memória de fatos e conceitos (memória semântica) ou memória de acontecimentos (memória episódica).
Mas a memória retrospectiva também pode ser classificada quanto à duração:
– Memória de trabalho: memória breve e limitada que nos permite trabalhar com raciocínios ou lembrar de algo por breve período (um número de telefone até anotá-lo)
– Memória de longo prazo: são as informações armazenadas no cérebro de forma mais permanente.
Feita essa breve apresentação, e possível identificar qual a memória mais importante para nós: a memória semântica de longo prazo.
Precisamos nos lembrar de fatos e conceitos durante um período considerável de tempo.
Mas isso não significa que as outras memórias não sejam importantes. Pelo contrário, existem estratégias que envolvem a memória de trabalho e a memória implícita e vou trazer algumas dicas sobre isso futuramente. Mas precisamos dar ênfase ao mais importante, ao que pode trazer mais resultados para nós.
Além dos tipos de memória, é importante conhecer também como uma memória é formada e mantida no cérebro. São basicamente três etapas:
- Codificação: inserir informações na memória
- Armazenamento: manter informações na memória
- Recuperação: acessar e recuperar informações da memória
Quando você estuda um conteúdo, você o está codificando. E existem formas mais eficiente que outras de se fazer isso.
Apenas uma parte muito pequena do que você acabou de estudar é transferida para a memória de longo prazo. É somente com o sono que essa transferência ocorre de forma relevante. É o momento da consolidação, em que o cérebro transfere as informações obtidas durante o dia para a memória de longo prazo.
Mas acredita-se que nem toda a informação é transferida, pois o cérebro é seletivo. Além disso, existe ainda uma dificuldade crescente no tempo de recuperar essas informações. Ou seja, regra geral, quanto mais o tempo passa, fica mais difícil se lembrar daquilo que foi armazenado na memória de longo prazo.
E a forma mais eficiente de manter essa informação na memória de longo prazo é praticando a rememoração, lembrando dela ativamente e com certa frequência.
Essa é uma explicação muito básica, mas que vai permitir identificar várias estratégias para reforçar cada uma das etapas acima. A ideia é codificar melhor, armazenar melhor e recuperar melhor.
É possível que, com essa introdução, você já perceba alguns pontos a melhorar em sua preparação.
Pelo que já vivenciei, um dos pontos mais negligenciados é a recuperação, a rememoração. Muitas vezes nos preocupamos somente em abarrotar o cérebro de informações e quase não praticamos a rememoração.
Infelizmente, isso não é eficiente, pois é muito mais difícil lembrar quando você não pratica rememoração.
O próprio ato de rememorar, notadamente quando existe esforço envolvido, fortalece as conexões neurais e torna cada vez mais fácil rememorar futuramente um conteúdo.
Para não esquecer, é fundamental lembrar. E, se é difícil lembrar, será difícil esquecer.
Mas como isso funciona na prática?
Bem, se você se limita a reler seu material, não estará praticando rememoração. Estará apenas revendo, fazendo o reconhecimento do material como já visto anteriormente, o que ajuda pouco na codificação e no armazenamento e ainda menos na rememoração.
Mas o que fazer para aprimorar uma revisão? Transforme-a em uma atividade de rememoração ativa.
Uma forma de fazer isso é tentar lembrar os conteúdos antes de ler o material. Só depois de se esforçar e lembrar o máximo que conseguir, você obtém seu feedback, conferindo o que errou, o que ficou faltando e aí sim fazendo uma revisão proveitosa.
Uma outra forma de fazer isso, considerada a mais eficiente para o aprendizado, é através de testes práticos, questões no formato em que seu concurso cobra (objetivas e/ou subjetivas). Não necessariamente devem ser questões de concursos passados, pois você pode elaborar as suas próprias questões.
É importante deixar claro que, para que uma estratégia se torne mais eficiente, as peculiaridades de cada concurso e de cada conteúdo devem ser consideradas.
Sei que já falei sobre a importância das questões em posts anteriores, mas esse tema vai ser companhia constante por aqui em razão de sua relevância.
Existem várias estratégias e técnicas para aprimorar o aprendizado e pretendo trazer informações sobre muitas delas. E não somente apresentá-las, mas tentar aplicá-las ao máximo à realidade dos concursos.
Eis alguns assuntos que pretendo abordar: prática de rememoração, repetição espaçada, prática deliberada, intercalação, foco, engajamento ativo, feedback, sono e consolidação, elaboração, transferência eficiente, geração, reflexão, estado e contexto, dificuldade desejável, processamento aprofundado e ativação difusa, entre outros.
Vou começar a tratar deles no próximo post.
Obrigado por chegar até aqui.
Vamos juntos!
