O post de hoje é sobre consolidação, finalizando a série de postagens sobre os pilares do aprendizado (atenção, engajamento ativo, feedback de erro e consolidação), na lição de Stanislas Dehaene, baseado no livro How We Learn: Why Brains Learn Better Than Any Machine … for Now (https://amzn.to/31PRxoV).
Consolidação, para Dehaene, é a mudança de um processamento cerebral lento, consciente e trabalhoso para um processamento rápido, inconsciente e automático.
A consolidação ocorre em qualquer atividade que realizamos, como ler, digitar, tocar um instrumento musical, dirigir um veículo ou até mesmo fazer provas. Com ela, realizar tarefas antes complexas se torna menos trabalhoso. As habilidades e conhecimentos necessários se tornam cada vez mais acessíveis.
Como comentei no post 05, somos seres econômicos. Nosso organismo tende a tornar mais eficientes as ações que realizamos com frequência. E consolidação é um processo essencial porque libera preciosos recursos cerebrais para outros propósitos. Essa é uma das razões pelas quais devemos evitar fazer aquilo que não está de acordo com nossos planos. Fazer coisas que não são boas para nós com frequência nos transformará em especialistas nelas.
“Nosso cérebro nunca para de aprender. Mecanismos de automatização ‘compilam’ as operações que realizamos com regularidade em rotinas mais eficientes”.
O sono desempenha um papel chave na consolidação. E, por isso, aprender de forma espaçada (post 11) é muito mais eficiente.
“Toda noite nosso cérebro consolida o que aprendeu durante o dia. Essa é uma das descobertas mais importantes da neurociência dos últimos trinta anos: dormir não é somente um período de inatividade ou de eliminação dos produtos residuais que o cérebro acumulou enquanto estávamos acordados. Muito pelo contrário: enquanto dormimos, nosso cérebro permanece ativo; ele roda um algoritmo específico que repassa os eventos importantes que gravou durante o dia anterior e os transfere gradualmente para um compartimento mais eficiente de nossa memória.”
Dehaene revela que um único evento vivido durante o dia pode ser repassado centenas de vezes durante a noite, de forma acelerada. E essa pode ser a função principal do sono.
Ao estudarmos, temos contato com um conteúdo, identificamos o que é mais relevante e repassamos uma ou duas vezes essas informações principais. Durante o sono, isso pode acontecer dezenas ou até centenas de vezes. Imagine se não existisse esse mecanismo? Como aprenderíamos algo? Não devemos subestimar a importância do sono.
Muitos experimentos demonstram que, quanto maior a qualidade do sono, maior o aprendizado. E a falta de sono, ou o sono de qualidade ruim, pode ter como consequência a minimização do aprendizado.
Gostaria de fazer um alerta. Cuidado com apps que afirmam medir a qualidade do sono. Essa qualidade, para fins de aprendizado, somente pode ser medida com precisão por meio de eletrodos na cabeça. Pode dormir tranquilo.
O autor comenta que muitas pessoas, de forma intuitiva, adotam práticas para tentar direcionar essa revisão de eventos realizada pelo cérebro durante o sono, como, por exemplo, aqueles que repassam o que foi estudado durante o dia um pouco antes de ir dormir. E existem pesquisas que indicam que tais práticas podem auxiliar no aprendizado.
O sono não somente fortalece a memória, mas também possibilita encontrar relações e fazer descobertas. São muitos os relatos de pessoas que acordam com ideias novas, criam uma hipótese ou mesmo encontram a solução para algum problema em que estão trabalhando.
E isso ocorre porque as informações estudadas durante o dia são armazenadas de forma mais abstrata e geral, o que permite identificar relações ainda não descobertas.
“É claro que aprendemos durante o dia, mas a repetição neuronal noturna multiplica nosso potencial.”
Dehaene indica que esse pode ser um dos segredos da espécie humana, pois pesquisas indicam que nosso sono é o mais profundo e mais eficiente de todos os primatas.
A importância do sono também é comprovada ao se estudar sua relevância para as crianças. Por estarem num período de aprendizado intenso, elas precisam de dormir mais horas que os adultos e o sono delas é muito mais efetivo que o nosso.
O autor menciona experimentos que demonstraram que muitas crianças com problemas de aprendizado estavam apenas com problemas de privação de sono. O excesso de estímulos eletrônicos e outros fatores externos não permitiam que elas dormissem tempo suficiente. Ao regularizar o sono, os sintomas de transtornos graves desapareceram.
Ele também comenta experimentos envolvendo adolescentes, cuja idade é caracterizada por mudanças nos ciclos de sono, com a tendência a dormir e a acordar mais tarde. Algumas escolas que passaram a iniciar as aulas matinais uma hora mais tarde tiveram um incremento muito significativo na atenção e desempenho dos alunos. Existe inclusive uma recomendação da Academia Americana de Pediatria nesse sentido (adiar o início das aulas matinais), como forma de combater obesidade, depressão e acidentes na adolescência. Ou seja, uma parte dos problemas era consequência direta do sono insuficiente.
Sono é um daqueles fatores fundamentais para o aprendizado que normalmente subestimamos. E subestimamos muito.
Tenho certeza que alguns de vocês já vivenciaram na prática as consequências de não dormir o suficiente durante um tempo. Eu já. Tive que estudar e fazer uma prova importante semanas depois do nascimento do meu segundo filho, um período de intensa privação de sono. E, naturalmente, cometi erros inexplicáveis, de forma muito mais intensas do que normalmente ocorria. Foi a compreensão da importância do sono que me permitiu entender melhor o que aconteceu.
Conhecer um pouco do funcionamento de nossa mente, suas potencialidades e limitações, é uma forma fundamental de autoconhecimento.
Conhecimento de características que demonstram que somos uma só espécie. Somos todos seres humanos. E temos mais coisas em comum do que diferenças. E o funcionamento de nosso cérebro é mais um fator a demonstrar isso.
Isso é algo que Dehaene enfatiza ao longo de todo o livro. Ele afirma, com base em diversos experimentos, que aprendemos de forma semelhante e que afirmações no sentido de que cada pessoa tem uma forma de aprender não encontram nenhum suporte científico.
Eu, pessoalmente, acredito que podemos ter nossas preferências, desde que estejam dentro das possibilidades de aprendizado que nosso cérebro oferece. E, se não entendemos minimamente como o ele funciona, corremos o sério risco de empregar nosso tempo de forma extremamente ineficiente. E eficiência é importante na preparação.
E, assim, finalizo os breves apontamentos sobre os quatro pilares do aprendizado apresentados por Stanislas Dehaene. How We Learn: Why Brains Learn Better Than Any Machine … for Now foi o melhor livro que li sobre aprendizado até hoje e espero que ele receba logo uma tradução de qualidade para se tornar mais acessível a todos nós.
Vou reduzir um pouco a frequência das postagens aqui no site, pois preciso me dedicar mais à minha preparação e cuidar melhor do meu sono. Cada pequeno aprimoramento tem um potencial fantástico, principalmente no longo prazo.
Ainda tenho algumas ideias a compartilhar. Avisarei sobre novos posts nas redes sociais.
Muito obrigado por acompanhar!
Vamos juntos!
